*Discurso proferido na abertura da mesa temática
sobre Escola Sem Partido
na Semana da Pedagogia da Faculdade Sumaré,
no dia 10 de Outubro de 2016.
Boa noite! Agradeço a presença dos convidados, alunos e professores.
É uma honra poder abrir um debate tão importante e gostaria de fazê-lo com algumas perguntas, dúvidas e provocações.
Vivemos num momento tão importante de consolidação de um projeto educacional para o Brasil. Se há tempos o nosso debate pairava sobre o acesso e permanência na escola, hoje nos preocupamos com o conteúdo e a qualidade do ensino, presentes nos debates curriculares e didáticos.
Todo este debate, entretanto, só pode ser realizado a partir de uma pergunta sobre os fundamentos da escolaridade. Que escola queremos? E quais são os limites e as possibilidades da escolaridade? Um erro comum é apressar-se em responder, evitando a reflexão que as perguntas propiciam. Reflexão esta que precisa ser realizada internamente por cada sujeito e, posteriormente, compartilhada no espaço público para que se construa coletivamente um projeto de longo prazo para a educação formal brasileira.
Há diversos debates em curso: base nacional comum curricular, alfabetização, ciclos, pré-alfabetização, disciplinas optativas no ensino médio, educação inclusiva realmente inclusiva e a escola sem partido. Gostaria de falar sobre este último.
Estamos acostumados com o debate que fica no nível do juízo estético. Não está em jogo se gostamos ou não do projeto de lei Escola Sem Partido. O debate não é sobre o que gostamos, o debate é sobre qual é a conjuntura educacional, política e econômica que culminou na elaboração da proposta legal, que também precisa ser discutida enquanto solução ou opção para o estado da arte da educação brasileira.
A conjuntura educacional, do meu ponto de vista, não é a mesma nem dos defensores do projeto de lei e nem de seus críticos. A crise na educação foi anunciada e denunciada pelos críticos de uma pedagogia da “autonomia” do aluno, como Alain, Hannah Arendt e, mais recentemente, Inger Enkvist. Tivemos por décadas um ensino com a preocupação infantil de ser sempre lúdico e optativo, inclusive com políticas que tiveram como resultado um não apreço pelo conhecimento, pelos saberes e pelo pensamento. O aluno, condenado a ser escravo de sua própria realidade, não ampliou sua visão de mundo. Brincou com aquilo que já fazia parte de sua vida. Assim, preso em sua condição, não poderia ir mais longe do que o local para o qual o seu mestre lhe enviou. A pedagogia, dita defensora da autonomia, construiu uma educação tão servil quanto aquela que visava combater.
Como resultado, o ensino é fragmentado, superficial e, numa análise para quem vê de fora, torna-se ainda pior através daquilo que é veiculado pela mídia ou pelas redes sociais. Violência, descaso, hedonismo estão sempre presentes e não podem ser ignorados, sendo enviados para a caixa das exceções.
Com o aluno no centro, o ensino tem se tornado a literatura e ortografias do funk, as operações matemáticas do baile funk, a história do funk, a geografia do funk, a cultura do funk, os exercícios físicos do funk etc. Certamente não era isto que os pensadores tinham em mente quando diziam sobre o sujeito tomar consciência de sua condição história, social e econômica.
A total ausência de sentido e o não cumprimento de seu papel, fez surgir como opção pedagógica um retorno a um conservadorismo de senso comum, muito presente no imaginário do povo brasileiro.
Isto por si só não explica o surgimento do projeto de lei Escola Sem Partido. Há uma questão política que eu não irei chamar de nova direita, pois discordo da dualidade esquerda-direita, mas chamarei de conservadorismo resoluto. Este conservadorismo extrovertido tem crescido no Brasil, especialmente devido ao fracasso econômico do governo do Partido dos Trabalhadores. A militância anti-PT fomentou uma aversão a tudo o que se relaciona com a esquerda. Como dissemos, no Brasil tudo se torna uma questão de gosto. Assim, um dos locais para combater aquilo que não se gosta é a escola.
O Escola Sem Partido deixa de atuar como ONG e se torna uma entidade política. Na esteira do combate à esquerda, visa defender que professores deixem de usar de sua autoridade na sala de aula para impor suas visões de mundo e de prejudicar os alunos que pensam diferente deles. Quem seria contra isto? Quem vai sair em defesa de professores que dizem qual religião está certa ou errada? Quem vai defender que o professor diga em quem o aluno deve votar? Quem vai defender que o professor prejudique o aluno que criticou o autor, as ideias ou o material didático?
Ora, se a escola é um espaço de consciência crítica, não seria boa uma lei que colocasse nas salas de aula um cartaz dizendo que o professor não pode ser este tipo de professor?
Em primeiro lugar, uma lei não resolve o problema. Ainda são os professores que possuem a caneta e o poder de dar a nota. Alunos se sentem ameaçados. É impossível o professor responder perguntas sem se comprometer (como bem escreveu Olivier Reboul).
Em segundo lugar, uma placa nas escolas não duraria tanto tempo. Numa palavra: vandalismo.
Em terceiro lugar, aprovar uma lei como esta é afirmar que o Estado deve ter o poder para controlar toda a educação (mesmo motivo pelo qual sou contra a Base Nacional Curricular Comum).
Se a pluralidade deve ser defendida, ela não pode ser obrigatória. Por que não podemos ter escolas com propostas pedagógicas diferentes? Isto já não existe? Há escolas confessionais e escolas seculares. Por que não existir uma escola Marxista e uma escola Hayekiana? Por que livros didáticos precisam apresentar todas as inúmeras visões do mundo? Basta os descontentes publicarem um novo livro didático que tenha as características desejadas! A diversidade não precisa ser imposta, basta um ambiente de liberdade para que ela floresça.
Se há uma problema de ética profissional, e eu penso que há um problema, então é preciso pensar a formação dos professores. Se há um problema de autores preteridos, e eu penso que há um problema pois poucos aqui devem ter ouvido falar em Hayek, por exemplo, então é preciso repensar o currículo e a formação dos professores. Se há um problema de professores ensinando o que os pais não querem que os filhos aprendam, então é preciso que os pais percebam que podem ser mais atuantes na escola. Não é isto o que se chama de escola democrática?
Se queremos e precisamos repensar a educação brasileira, nunca é tarde para perguntar: vamos dar poder para o Estado controlar todos os aspectos da educação e correr o risco de amanhã alguém usar este poder para impor sua visão de mundo? Aqueles que defendem o Escola Sem Partido devem ser os primeiros a responder a esta questão.